Pacientes terminais esperam 60 dias por remédio. É o que manda a lei

do Estado de São Paulo

Portaria ignora que liminar exige urgência; secretarias de Saúde levem até 2 meses para fornecer medicamentos

Emilio Sant’Anna e Simone Iwasso

Pacientes terminais esperam 60 dias por remédio. É o que manda a lei

De um lado, secretarias estaduais de Saúde com prazo de até 60 dias para entregar medicamentos importados de alto custo. De outro, pacientes que apelaram à Justiça e conseguiram o aval para receber remédios em dias ou semanas. Somam-se a isso procedimentos burocráticos pouco claros.
O resultado: diferentes interpretações da legislação influenciam no começo ou na continuidade de tratamento de casos graves ou terminais, para os quais cada dia de uso de remédios pode fazer a diferença.
Segundo os Estados, o prazo atende a uma portaria da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criada para regulamentar a compra desses produtos. Para a secretaria, medicamentos não têm licenciamento automático, ou seja, os trâmites burocráticos para a entrada no País podem demorar até 60 dias.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde informou, por meio de sua assessoria de Imprensa, que não existe um procedimento único em todos os Estados para responder a essa questão. Assim, cada secretaria usa um sistema, o que resulta em prazos diferentes para o fornecimento dos remédios.
A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, por exemplo, diz que apenas cumpre a legislação e que o processo de importação não pode levar menos que os 60 dias. Secretarias da Bahia, Goiás e Rio Grande do Sul também afirmam que tentam trazer o medicamento o quanto antes, mas se amparam na portaria para justificar o prazo.
“Tentamos atender o maior número de pacientes, responder o quanto antes às ações. Mas a lei nos permite fornecer em até 60 dias, é o tempo médio”, explica Luiz Edgard Tollini, diretor da Central de Medicamentos da Secretaria de Saúde de Goiás. “No ano passado, gastamos R$ 6 milhões com isso.”

INTERPRETAÇÕES DISTINTAS
No entanto, de acordo com advogados acostumados a esse tipo de ação, a portaria não é entendida de forma consensual e pode ser interpretada de outras maneiras – inclusive usando as liminares dos juízes que estipulam um prazo para que o produto seja entregue, obtendo assim a compra de maneira mais rápida.
“Eles (secretarias de Saúde) nunca comprovaram em nenhum processo a necessidade desse prazo”, revela o advogado Raul Peris, especialista em ações na área de saúde. Peris diz que alguns pacientes conseguem receber o medicamento antes dos 60 dias. “Existem casos de até 20 dias. E sempre que o juiz manda o governo juntar aos autos do processo a documentação da importação, no dia seguinte o remédio está disponível.”
O publicitário Bento Luís Lorena Júnior, de 52 anos, conseguiu em 30 dias receber o Sutent, para câncer no intestino. Segundo ele, seria impossível pagar cerca de R$ 20 mil pelo remédio. “As previsões que eu tinha eram de 60, 70 dias para receber”, diz. “Foi uma ansiedade muito grande. O tumor estava crescendo.”
Acostumada a tratar de ações desse tipo, a advogada Renata Vilhena diz que não é possível culpar a secretaria pela demora. “A Receita Federal, a Vigilância Sanitária e a Infraero tratam isso como se fosse uma importação normal, como se não houvesse liminar”, diz. A advogada cita o exemplo de uma de suas clientes que não conseguia a liberação do medicamento para o tratamento de câncer. “Ela conseguiu uma liminar para que o plano de saúde ressarcisse a compra do remédio, mas a Receita Federal não queria liberar porque a renda dela era incompatível com o preço do medicamento.” diz. “Tive de entrar com um mandado de segurança para a liberação.”
Para ela, é preciso que se adote alguma medida para priorizar esses casos. A opinião é a mesma da advogada Rosana Chiavassa. “É preciso criar uma regra clara, que acabe com todas as dúvidas.”
Geralmente, nas ações contra o Estado, costuma-se entrar com mandado de segurança, baseado no princípio constitucional de que todo cidadão tem direito à saúde. Contra planos de saúde, os advogados usam como argumento o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil. As secretarias citam duas portarias, uma delas de número 14, de novembro de 2004.
“Estamos importando duas drogas. Faço isso com o meu dinheiro, por conta própria, e depois o plano me reembolsa. Faço isso há cinco anos”, conta o engenheiro Luiz Roberto. Como o caso de sua mulher, Maria da Graça, era muito grave – ela teve câncer de mama que se espalhou para o pulmão e para o cérebro -, ele não quis correr o risco de esperar. “Gasto R$ 40 mil por mês. Mas está valendo a pena”, afirma.
Segundo Vladimir Cordeiro de Lima, oncologista do Hospital do Câncer, a urgência depende de cada caso. “Em algumas situações, pode fazer muita diferença, principalmente na qualidade de vida. Em outras, nem tanto”, diz. Isso porque esses remédios funcionam como paliativos. “Eles aumentam a sobrevida, dão alguns meses a mais.”
Quem não pode esperar, sobrevive com doação
Casos como o do publicitário Bento Luís Lorena Júnior (veja na reportagem ao lado) parecem ser exceção na espera por medicamentos importados. Para sua sorte, o remédio foi entregue na metade do tempo previsto, mas não é isso o que acontece com a maioria dos pacientes que recorre a liminares. No final de dezembro, o Estado relatou a luta do médico Fernando Gomes de Mello, de 65 anos.
Há cinco anos, ele sofre de câncer de pulmão e, desde dezembro, ganhou na Justiça o direito de receber da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo o medicamento Avastin. O remédio pode chegar a custar até R$ 10 mil nas importadoras.
No início deste mês, a droga teve seu preço aprovado no Brasil e tem previsão de chegar ao mercado nacional em abril, mas apenas para o câncer de colo retal. Seguindo-se o prazo determinado para o processo de compra e importação da droga, a espera deve durar até fevereiro.
A doença de Mello, no entanto, não espera. O médico faz sessões diárias de radioterapia e conseguiu tomar duas doses de Avastin obtidas através de duas doações. “Lamento profundamente essa situação, pois até agora ninguém tentou derrubar ou reverter essa norma”, diz sua mulher, Cristiane de Mello.
Na próxima quinta-feira, ela espera que seu marido consiga tomar a terceira dose do remédio, mas não há garantias de que isso aconteça. Das duas doações que Mello recebeu, sobraram 200 miligramas. A próxima dose deve ser de 800 miligramas. “Eu sei que, depois que a secretaria libera o medicamento, cumpre religiosamente a entrega”, diz. “O problema é até eles entregarem a primeira dose.”

Panacéia da célula-tronco

da Revista Isto É

Executivo ganha na Justiça direito de se submeter a um transplante com essas estruturas. Caso gera discussão sobre as aplicações da terapia

Lena Castellón e Mônica Tarantino
Um caso envolvendo a luta pela vida e o acesso a uma nova esperança de terapia gerou debate entre médicos, cientistas e pacientes na semana passada. Um diretor de um banco de São Paulo, 53 anos, ganhou na Justiça o direito de ser submetido a um transplante de células-tronco – estruturas capazes de se transformar em diversos tecidos do organismo – para tratar de sua doença, a esclerose lateral amiotrófica (ELA). Essa enfermidade é devastadora. Provoca morte de neurônios e fraqueza progressiva dos músculos até causar uma imensa dificuldade respiratória. Cerca da metade dos portadores morre três anos após os primeiros sintomas.
Ciente do diagnóstico há nove meses, o executivo está em tratamento no Hospital Albert Einstein (SP). Nesse período soube da existência de uma terapia com células-tronco feita em caráter experimental. A técnica já foi aplicada no Brasil em quatro pacientes com o objetivo de tratar um dos aspectos que podem estar relacionados à doença. De causa desconhecida, suspeita-se que o mal tenha um componente de auto-agressão (o sistema imunológico não reconhece as células do organismo e as ataca). “A manifestação auto-imune é uma hipótese. O que foi feito nos casos em que usamos células-tronco foi tentar evitar esse processo de auto-agressão”, afirma Júlio Voltarelli, pesquisador do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, onde há um grupo dedicado à pesquisa com enfermidades auto-imunes. O procedimento consistiu na substituição das células da medula óssea (responsável pela fabricação das células de defesa) por células-tronco com potencial para “reconstruir” a fábrica, desta vez de maneira correta. Dois pacientes foram atendidos em São Paulo, sendo que o primeiro morreu meses depois. O segundo se mantém estável. Outros dois foram tratados na Bahia e tiveram alguma melhora.
Sabedor da experiência, o executivo decidiu recorrer ao transplante. Porém, como o hospital não tem protocolo para estudar o tratamento da doença com células-tronco aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), entidade que regula os estudos com essas células, o paciente procurou o advogado Raul Peris, especialista em direito na área de saúde, para obter na Justiça o direito de recorrer ao método. “Não havia outra opção a não ser garantir o tratamento para evitar danos maiores”, disse Peris a ISTOÉ. A liminar em favor do pedido foi dada pelo juiz José Carlos Motta, da 19ª Vara Federal de São Paulo. “Pareceres médicos recomendaram o transplante como tratamento experimental com chances de melhorar a sobrevida do paciente. Outra alternativa seria assistir passivamente à deterioração trazida pela doença. Levei isso em conta”, explica. Quando saiu a liminar, o executivo tinha perdido os movimentos dos braços e de uma perna e manifestava dificuldade para se alimentar. No dia 11, foi internado para iniciar o processo do transplante.
Procura: muitas pessoas com lesão de medula querem participar da pesquisa coordenada por Barros
O caso despertou muitas discussões. Afinal, envolve a luta pelo acesso a um procedimento ainda bem longe de ser rotina na medicina. E, em geral, tudo o que se relaciona a células-tronco, até agora, se encaixa nessa categoria. Mas a expectativa em relação a essas estruturas é enorme, e é compreensível que seja assim, principalmente para os que enxergam nessas células a última esperança. No serviço coordenado pelo ortopedista Tarcísio Barros, do Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, a busca pela terapia celular é diária. Barros lidera um estudo para avaliar sua eficácia no tratamento de pacientes com lesões de medula. “A procura é grande, especialmente depois da divulgação de boas novas”, conta.
Apostar fichas demais nas células versáteis de fato é um problema. A pesquisadora Lygia Pereira, da Universidade de São Paulo, receia que, ante o desespero, doentes partam para qualquer experiência, amparados por medidas judiciais. “Tirar o poder de decisão de um painel como o Conep, constituído por cientistas que visam proteger as pessoas de maus usos da terapia, não me parece correto. Protocolos existem para que doentes não virem cobaias”, alerta. Lygia teme que o ambiente se torne propício para experimentos feitos por quem não tem know-how na terapia. “É uma questão delicada porque, do outro lado, está a agonia de seres humanos”, pondera.
Para fazer estudos com células-tronco, a rotina é passar por aprovação no comitê de pesquisa da instituição e no Conep. A razão é efetuar a investigação com segurança. “O desafio é permitir os avanços sem que isso levante falsas expectativas”, diz William Hossne, presidente do conselho. O processo de aprovação pode durar meses. Depois, serão necessários mais alguns anos para concluir o trabalho. Só então é que a terapia estará disponível para todos. Por ora, a maioria dos beneficiados participa de projetos de pesquisa.
Mesmo ansiosos, muitos pacientes preferem esperar. É o caso do advogado Carlos Valdejão, 36 anos, presidente de uma entidade de portadores de esclerose múltipla, doença que faz parte de estudos com célula-tronco. Ele usa remédios distribuídos pelo governo e não pensa em se submeter a procedimentos experimentais. “Aguardarei os resultados. Precisamos investir no futuro, mas sem inventar uma panacéia”, diz. A Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica também recomenda aos doentes que não recorram ao método até que ele seja bem conhecido. Isso não quer dizer, porém, que se deve enterrar a esperança. Para Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia, os estudos feitos até o momento, se ainda não apontam grandes ganhos, também não sugerem malefícios. “Por isso, é um direito do cidadão recorrer à Justiça para fazer o tratamento. Nesse caso, é uma terapia heróica, situação que ocorre quando não há mais nada a fazer por um paciente”, acredita.

Advogado abre escritório para atender pessoas que buscam terapias

da Folha de S.Paulo

O advogado Raul Peris é um dos que já têm nas causas de pacientes uma importante fonte de renda. Peris montou um escritório para atender as demandas de pessoas que buscam terapias não ofertadas atualmente pela rede pública de saúde.
Ele atende principalmente portadores de hepatite C que querem ter acesso gratuito ao remédio Interferon Peguilado, droga até 30 vezes mais cara do que o medicamento convencional.
O advogado diz que começou a lidar com os casos por indicação de uma entidade beneficente.
Hoje, já tem contato com uma série de médicos renomados que costumam indicar seu nome caso o paciente decida recorrer à Justiça.
“Eles só indicam se o paciente perguntar.” O advogado pediu que os nomes dos especialistas não fossem divulgados e também evitou falar dos seus rendimentos.
De acordo com ele, os honorários variam de acordo com a situação econômica do doente. Para alguns, seu trabalho acaba saindo de graça, afirma o advogado
Peris explica que nem todos os pacientes são pessoas carentes.
Há muitos profissionais liberais que, surpreendidos pelo impacto que o tratamento terá sobre sua renda, buscam drogas e terapias na rede pública.
Pacientes crônicos
Saul Faria Carlos afirma ser o advogado campeão em ações para pacientes renais crônicos que necessitam do medicamento Renagel. “Você trabalha por pouco, mas por amor à causa”, diz Carlos, que atua no Rio de Janeiro.
Ele, porém, afirma que realiza a maioria dos trabalhos gratuitamente. “Nunca perdi uma ação.”

As portarias que regulamentam a concessão dos medicamentos pelo SUS

A Portaria nº 432, de 03 de outubro de 2001 – prevê a garantia de tratamento adequado aos portadores de câncer.
Nesta Portaria estão descritos os procedimentos que devem ser adotados para o tratamento.
Caso haja interesse, existem outras Portarias correlatas à nº 432, são elas:
a) Portaria nº 482, de 22 de outubro de 2001.
b) Portaria nº 515, de 06 de novembro de 2001
Para outras informações o endereço eletrônico da Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde é: http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/legislacao/portarias.htm

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